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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Destralhar

Destralhar... Você já conhecia este verbo? 

Já ouviu falar em toxinas da casa?

- objetos que você não usa.
- roupas de que você não gosta ou não usa há anos.
- coisas feias.
- coisas quebradas, lascadas ou rachadas.
- velhas cartas, bilhetes.
- plantas mortas ou doentes.
- recibos/jornais/revistas antigos.
- remédios vencidos.
- meias velhas, furadas.
- sapatos estragados.

Ufa, que peso!

O "destralhamento" é a forma mais rápida de transformar a vida e ajudar as outras eventuais terapias.

Com o destralhamento, a saúde melhora, a criatividade cresce, os relacionamentos se aprimoram.

É comum sentir-se cansado, deprimido, desanimado, em um ambiente cheio de entulho, cheio de tralha, pois "existem fios invisíveis que nos ligam a tudo aquilo que possuímos".

Outros possíveis efeitos do acúmulo e da bagunça:
- sentir-se desorganizado, fracassado, limitado e apegado ao passado.

> No porão e no sótão, as tralhas viram sobrecarga.
> Na entrada, restringem o fluxo da vida.
> Empilhadas no chão, nos puxam para baixo.
> Acima de nós, são dores de cabeça.
> Sob a cama, poluem o sono.

Perguntinhas úteis na hora de destralhar:
1- Por que estou guardando isto?
2- Será que isto tem a ver comigo hoje?
3- O que vou sentir ao liberar isto?

E vá fazendo pilhas separadas...
- Para doar!
- Para jogar fora!

Para destralhar ainda mais:
- livre-se de barulhos
- das luzes fortes
- das cores berrantes
- dos odores químicos
- dos revestimentos sintéticos

E também...
- libere mágoas
- pare de fumar
- termine projetos inacabados.

As frutas nascem azedas e vão ficando docinhas com o tempo. A gente deveria de ser assim! Destralhar ajuda a adocicar.

Para encerrar:
Dê a quem você ama asas para voar, raízes para voltar e motivos para ficar.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pai, Começa o começo...

Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia:

- Pai, começa o começo!

O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta para mim..

Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito.

Meu pai faleceu há algum tempo e há anos, muitos, não sou mais criança.

Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao meu lado para, pelo menos, “começar o começo” de tantas cascas duras que encontro pelo caminho.

Hoje, minhas “tangerinas” são outras.

Preciso “descascar” as dificuldades do trabalho, os obstáculos dos relacionamentos com amigos, os problemas no núcleo familiar, o esforço diário que é a construção do casamento, os retoques e pinceladas de sabedoria na imensa arte de viabilizar filhos realizados e felizes, ou então, o enfrentamento sempre tão difícil de doenças, perdas, traumas, separações, mortes, dificuldades financeiras e, até mesmo, as dúvidas e conflitos que nos afligem diante de decisões e desafios.

Em certas ocasiões, minhas tangerinas transformam-se em enormes abacaxis.

Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido pelo papai quando lhe pedia para “começar o começo” era o que me dava a certeza que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta.

O carinho e a atenção que eu recebia do meu pai me levaram a pedir ajuda a Deus, meu Pai do Céu, que nunca morre e sempre está ao meu lado. Meu pai terreno me ensinou que Deus, o Pai do Céu, é eterno e que Seu amor é a garantia das nossas vitórias.

Quando a vida parecer muito grossa e difícil, como a casca de uma tangerina para as mãos frágeis de uma criança, lembre-se de pedir a Deus: “Pai, começa o começo!”.

Ele não só “começará o começo”, mas resolverá toda a situação para você.

Não sei que tipo de dificuldade eu e você estamos enfrentando ou encontraremos pela frente neste ano. Sei apenas que vou me garantir no Amor Eterno de Deus para pedir, sempre que for preciso: “Pai, começa o começo


Recebi por e-mail de uma amiga

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Seduzida pela Graça

Mudança… era uma palavra inconcebível no vocabulário e argumentação mental viciada deles!

Perdão… era impossível em suas conjecturas de inadmissível transgressão da sagrada lei!

Intransigência… era o prazer macabro que retro alimentava suas expectativas em relação aos não convencionais.

Confronto… ELE não tinha o direito de expor e subestimar legítimos herdeiros de Abraão, para favorecer uma desventurada promotora do pecado imperdoável na conduta ilibada e moralista dos “Pietistas Rabinos”.

Ele provoca um mal estar neles… Ela merecia pedras e ELE nos ultraja oferecendo -lhe flores!

Mas ela entra na história como convidada DELE para o desgosto e desconcerto dos porta-vozes da impecabilidade.

Surge e protagoniza uma das mais belas cenas arquitetadas pelo AMOR, na condução da valorização e redenção do ser criado a imagem e semelhança do CRIADOR.

Toda quebrantada e com uma disposição de ser abduzida pela GRAÇA se preciso fora, ela rouba a cena e as intenções de justiça própria que vazava pelos poros dos “esteticamente corretos”.

Seduzida pela irremediável e irreversível consciência de quem imergiu nas entranhas da MISERICÓRDIA, ela mal pode imaginar o desfecho do enredo legitimado “antes da fundação dos séculos”.

Ela ouve uma canção que jamais pensaria que fosse possível enquanto vivente: “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?… Nem eu, também, te condeno…”.

Mas… é só isso?! Ela deve ter pensado como resultado do aguilhão dos agravos sofridos de quem não tinha sequer o direito de se pronunciar em público, para abrandar a dor que carcomia sua alma.

ELE com sensibilidade e visceral compaixão sussurra em seu coração: “…vai-te, e não peques mais”.

Faça isso por você mesma, para que cresça na radicalidade de alguém que discerniu “a fatal atração do AMOR” que agrega PAZ e convida a todos os excluídos e maltratados para provarem do incomensurável privilégio de acesso ao “FRUTO DA ETERNA PAIXÃO”.

Faça isso para que você não fique vulnerável e deliberadamente exposta as aspirações homicidas dos seus inquisitores, que fazem isso como transferência para a pacificação da própria alma que ainda não consegue discernir e mergulhar no dom gratuito do AUTOR DA VIDA.

E todas as vezes que se sentir rejeitada, acuada e indigna de ser alvo e objeto do AMOR, lembre-se e cante para si mesma: “Há muito que o Senhor me apareceu, dizendo: Pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te attrai”

Franklin Rosa

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Viver como as flores

Mestre, como faço para não me aborrecer, com as pessoas?

Algumas falam demais, falam de nossa vida, gostam de fazer intriga, fofoca, outras são ignorantes.
Algumas são indiferentes.
Fico magoado com as que são mentirosas. "Sofro com as que caluniam".
- Pois viva como as flores!, advertiu o mestre.
- Como é viver como as flores? Perguntou o discípulo.
- Repare nestas flores, continuou o mestre, apontando lírios que cresciam no jardim. Elas nascem no esterco, entretanto são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas.
É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o importunem.
Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento.
Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora. “Isso é viver como as flores."

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Por que Deus não impediu a Queda?

Hermes Fernandes

Eis uma das mais delicadas questões com que se depara a Teologia cristã. Como crentes na soberania divina irrestrita, não podemos supor que a Queda tenha pego Deus de surpresa.

A prova de que Deus não apenas previa a desobediência humana, como a permitiu, e a incluiu em Seu glorioso plano, é que, antes mesmo da fundação do mundo, Ele havia provido um meio de equacionar o problema do pecado. De forma que a Bíblia nos apresenta Cristo como o “Cordeiro que foi morto desde antes da fundação do mundo” (Ap.13:8b).

Não há improvisos no plano arquitetado por Deus. E a prova disso é que Ele já havia feito ampla provisão.

Antes do início da História, um plano foi arquitetado, em que cada evento foi previamente decretado pelo Criador. Em Sua Onisciência, Deus sempre soube com antecedência de todas as coisas. O Deus das Escrituras não deve ser confundido com o “deus” da chamada teologia de processo, que nada sabe quanto o futuro, pois é refém do tempo que ele mesmo criou.

Definitivamente, Deus não é refém do tempo. Ele vive na Eternidade, onde não há passado ou futuro, mas um eterno agora. Todas as coisas estão diante d’Ele concomitantemente. Ele não precisa lançar mão de dados estatísticos, para saber a probabilidade de algo acontecer ou não. Ele simplesmente sabe.

Em Sua sabedoria, Ele decidiu que o homem só conheceria Seu amor e Sua graça, se tropeçasse e caísse de seu estado original.

Agostinho foi feliz ao declarar: “Oh bendita queda, que nos proporcionou tão grande redentor!”. Se não houvesse Queda, não haveria necessidade de Redenção. Se não ocorresse a Ruptura, também não haveria a Convergência em Cristo na Plenitude dos Tempos. Portanto, não haveria cruz; jamais entenderíamos a profundidade do amor de Deus. A graça nos seria um conceito desprovido de qualquer sentido.

Sem a Queda, fatalmente seríamos corrompidos por nossa própria perfeição, como aconteceu com um tal querubim ungido.

Foi melhor sermos humilhados, para ser depois exaltados pela Graça divina, do que nos exaltarmos, e sermos definitivamente derrubados de nossa arrogância.
Tudo estava no plano de Deus. A maneira como cairíamos, e como seríamos reconduzidos à glória.

A serpente não entrou no paraíso por um descuido de Deus.

A provisão de Deus para a reversão da Queda é Cristo. Ele reverteu, através de Sua obediência, o processo desencadeado pelo pecado.

Ele não só zerou nosso débito, mas colocou-nos numa situação de crédito com Deus.

Adão foi tentado no paraíso e caiu. Jesus foi tentado no deserto, e não caiu. Enquanto Adão podia comer de todas as árvores, Jesus, no deserto, não tinha alternativa pra saciar Sua fome, senão transformar pedras em pão. Mas Ele resistiu até o último instante.

Agora, Sua vida justa e santa é creditada em nossa conta, enquanto nossos pecados foram debitados na Sua. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co.5:21).

Vi no Genizah

sábado, 9 de julho de 2011

Viva inteiramente inserido no seu mundo


Se há algo que ensinam os mitos de todas as culturas é que a familiaridade é inimiga do crescimento. A jornada do herói começa quando ele se desenraiza – quando deixa o conforto da aldeia feliz e entra na insegurança da floresta escura. É por crermos instintivamente nisso que aqueles de nós que anseiam por tornar-se santos e heróis começamos pelo passo que nos parece ser o mais coerente: o afastamento do mundo. Sabemos que “santo” quer dizer “singular, separado”, e essa explicação traz em si sua própria meta e destino: por definição, o santo não pode ter nada a ver com o mundo.

Mas nada é tão simples, e está aí Jesus que não me deixa mentir.

Diversas tramas acotovelam-se pela primazia na narrativa dos evangelhos, mas há uma em particular – talvez a central – cujo tema é tão formidavelmente revolucionário que a lição toda tende a passar despercebida a olhos beatos como os nossos. Para abraçar o quarto passo na direção de Jesus é preciso elucidar o mecanismo dessa negligência histórica.

Do ponto de vista dramático, Mateus, Marcos e Lucas esforçam-se para deixar claro que o antagonista de Jesus na narrativa dos evangelhos não é – ao contrário do que somos tentados às vezes a pensar – Judas, o traidor. “Antagonista” é aquele que se contrapõe, aquele que se coloca no caminho e exerce verdadeira influência, e a traição de Judas não chega a deixar uma marca no verniz da autonomia de Jesus. Pela mesma razão, o antagonista de Jesus não está entre adversários que não chegam a tocá-lo (e muito menos derrubá-lo) – figurantes como Pilatos, os fariseus, os sacerdotes ou mesmo Satanás.

Nos evangelhos, o antagonista de Jesus é João Batista. De todos que em algum momento da história se opõem a Jesus ele é o único que representa verdadeira autoridade; de todos que se atiram no caminho de Jesus querendo exercer sobre ele alguma influência, é apenas João Batista que, em seu recato, chega a corresponder – contrapor-se – a ele.

Desde o momento em que o bebê salta no ventre de Isabel diante da chegada de Maria, o relacionamento de Jesus com João é prenhe de tensão dramática. João, por um lado, parece não chegar a entender a peculiaridade do primo. Ele pode ter visto a pomba do Espírito descendo sobre Jesus no Jordão, mas anos depois a conduta do cordeiro de Deus lhe parece equívoca o bastante para que ele mande perguntar, da prisão onde está, se Jesus era “mesmo aquele que estávamos esperando, ou se devemos esperar por outro”.

Jesus, por outro lado, que dispensava implacáveis sarcasmo e condenação sobre religiosos de todas as índoles, nada parecia encontrar para condenar na vida religiosa de João. Pelo contrário; da sua boca, quando ele fala sobre João Batista, só partem elogios: João é o maior de todos profetas; não é um caniço que se deixa dobrar pela tentação; homem mais notável jamais foi concebido.

Esse homem terrível que Jesus respeita é seu antagonista, porque de todos os personagens do evangelho João Batista é o único que apresenta e representa uma verdadeira alternativa ao estilo de vida que Jesus está propondo. João é o último habitante legítimo de um mundo que Jesus veio abolir, e a inevitabilidade desse curso acaba separando-os, a despeito do carinho evidente que têm um pelo outro.

João Batista é o outsider.

Embora tenham angariado quase que simultaneamente a reputação de homens de Deus, os detalhes da narrativa parecem servir apenas para salientar a intransponível distância entre as posturas de Jesus e de João. João Batista vive nas margens: é o asceta, o outsider, o homem que se afasta deliberadamente do mundo e enxerga esse afastamento como a porção mais essencial da sua missão. Ele é “a voz que clama no deserto” – deserto onde não há ninguém e onde por isso ninguém pode ouvir, a não ser quem repete o trajeto, afastando-se do mundo para ouvir da mesma forma que João afastou-se para falar.

João Batista veste seu afastamento visivelmente, causando no homem comum a mesma exasperação que deveria causar o toque grosseiro do pêlo de camelo. A credencial da sua singularidade está nos detalhes violentos dessa frugalidade: João não bebe, não aceita convites, não freqüenta pecadores; não come frescuras como pão e vinho (recomendando como alternativa sua dieta de gafanhotos e mel silvestre), evita todos os excessos e jamais é visto na cidade. Para encontrá-lo é preciso ir ao encontro dele na aridez onde nenhum traço de humanidade pode sobreviver.

É em contraste absoluto com essa figura que os evangelistas introduzem um novo personagem. Está aqui, propõem eles, um herói que representa abordagem oposta à do ascetismo de João. E é gloriosamente que Jesus caminha pela terra desmoronando a cada passo as seguranças desse modo de vida cauteloso, o paradigma de santidade tradicional personificado por João.

Jesus é o inserido, o sociável, o homem plenamente entranhado na sociedade, decisivamente acessível e presente. Ele não apenas recusa o afastamento do mundo proposto na postura de João, mas assume descaradamente a direção oposta. Sem nenhum verdadeiro precedente na história sagrada de Israel, aqui está um homem que adquire a fama de santo e homem de Deus convivendo com o homem comum e com gente que até mesmo o homem comum tem dificuldade para engolir.

Em perfeita oposição a João, Jesus deixa claro que é sua proximidade do mundo, seu “não-afastamento”, a porção mais essencial da sua missão. Ele vence a tentação do deserto e segue percorrendo incessantemente as cidades, onde pode estar com as pessoas e submetê-las à sua mensagem, que é essencialmente sua própria pessoa.

Jesus é o inserido.

E não há virtualmente ninguém a quem ele recuse a sua proximidade: religiosos e pecadores, fariseus, sacerdotes e prostitutas; romanos, samaritanos, judeus e fenícios; ricos, pobres, fazendeiros, agiotas, lavradores, coletores de impostos; militares, pescadores, revolucionários, leprosos, cegos, aleijados, loucos, possessos, homens e mulheres. Jesus vive entre essa gente, causando tumulto em cada cidade e pressionado de todos os lados por suadas e mutantes multidões. Ele se veste como todo mundo, aceita convites para festas de casamento e freqüenta banquetes (angariando entre seus detratores a fama de glutão e beberrão). Jesus congraça com pervertidos, bêbados, adúlteros, tratantes e prostitutas, e seu primeiro milagre é fornecer bebida para animar uma festa que ameaçava perder o pique.

Para encontrá-lo é preciso apenas estar fazendo o que você faz sempre: é ele que virá inevitavelmente ao seu encontro, quer você seja um cego esperando uma esmola na beira do caminho, um agiota caminhando desiludido para seu posto de coleta, uma mulher andando em direção ao poço para puxar água. Você pode não saber com quem está falando, mas ele já está todinho ali, na sua cidade, no seu círculo, na sua cultura. Nada na aparência dele ou na sua conduta parece ostentar ou garantir a santidade que os religiosos anunciam como uma trombeta. Se esse é sujeito é um profeta e um santo, trata-se do primeiro da espécie que não lhe parece ser essencialmente diferente de você. Ele irá invariavelmente aceitar o seu convite para sair, para jantar, para ir à sua casa, para conhecer uns amigos, para visitar um doente, para beber uma jarra de vinho.

Esse homem, definido por esse estilo de vida, é que os cristãos adotaram oficialmente como professor, profeta, messias, salvador e Filho de Deus. Extra-oficialmente, adotamos o estilo de vida de João Batista.

João é o homem que se afasta do mundo para não deixar-se contaminar por ele. Jesus é o homem inteiramente inserido no mundo, inteiramente mergulhado nas complicações do dia-a-dia e nas preocupações e privilégios do homem comum.

Dos incontáveis paradoxos do cristianismo histórico, esse é mais um: historicamente, os cristãos ignoraram o exemplo de Cristo e tornaram-se seguidores funcionais de João. O caminho de João Batista é o caminho dos monges do deserto, das ordens religiosas, das rádios evangélicas; é o caminho do ascetismo, das regras estabelecidas para “fazermos diferença”; das abstenções, do recuo, do afastamento, da irrelevância, da exclusão e do preconceito.

O caminho de Jesus é o da inclusão, da presença, do abraço irrefletido e incondicional do mundo. É o caminho estreito que poucos trilham, a porta exigente pela qual poucos passam.

Sempre que cedemos à tentação de trocar a confusão transpirante do mundo pelo conforto harmonioso e acolhedor de uma comunidade cristã; sempre que aceitamos o abraço exclusivo de uma subcultura de qualquer estirpe em detrimento da cultura no seu sentido mais amplo; sempre que dividimos nossa experiência entre uma esfera religiosa e uma profana que não chegam a se tocar; sempre que nos recusamos a consentir qualquer associação com música “do mundo”, filmes “do mundo” e pessoas “do mundo”; sempre que negamos nossa presença, nossa companhia e nossa lealdade a gente que em seu estado atual não julgamos merecê-las; sempre que reservamos nossas noites, nossos feriados e nossos fins-de-semana para o convívio com pessoas cuja postura religiosa as torna inerentemente distinta da massa dos mortais – estamos (para citar uma música do mundo) escolhendo errado nosso super-herói.

O que mais me dói: você escolheu errado seu super-herói.
Era o caminho inclusivo de Jesus que deveríamos estar seguindo – e num mundo ideal eu não deveria ter de estar explicando isso, especialmente a mim mesmo.
Para seguir os passos de Jesus é preciso viver inteiramente inserido no mundo. Qualquer avanço bem-intencionado na direção de um afastamento, como bem intuiu Simone Weil, implica na condenação tácita, divisiva e necessariamente devastadora dos “de fora”. Para seguir os passos de Jesus é preciso abrir mão do ascetismo de João Batista e correr o risco de ser tachado de bêbado, o risco de ser visto no boteco da esquina com maloqueiros e mulheres de má fama.

Jesus propõe, inconcebivelmente, uma espécie de santidade que não é definida pela exclusão, mas pela generosidade e pela liberalidade da presença. É dele a horrenda idéia original de distribuir abraços gratuitos – gratuitos no sentido de serem dados a quem, essencialmente, não os merece. Essa sua ousadia derruba para sempre a primazia da surrada “santidade da distância” representada por João Batista. Jesus demonstra, em seu modo de vida, que um caminho superior ao de achar-se melhor do que os outros pela exclusão é amar os outros pela inclusão.

Curiosamente, João Batista e Jesus começaram pregando uma mesma mensagem, “o Reino de Deus está próximo” – o Reino de Deus veio para perto de vocês, – mas é apenas com a escandalosa conduta inclusiva de Jesus que essa insólita proposição ganha verdadeiro peso. Quando é informado a respeito da morte de João Batista (decapitado pela espada de Herodes Antipas), Jesus não chora apenas a perda de um amigo, mas a morte de uma alternativa ideológica que Deus jamais voltaria a aprovar. A devoção como afastamento do mundo havia sido substituída pela santidade como presença no mundo. É por essa excelente razão que para Jesus, embora homem mais notável que João Batista este mundo não tenha concebido, “o menor” na nova ordem do reino de Deus “é maior do que João”.

Uma das mais terríveis revelações que Jesus fez aos seus discípulos é que eles deveriam viver neste mundo como ele viveu. “Da mesma forma que meu Pai me enviou eu envio vocês”, ele disse, e estamos apenas começando a entender as implicações dessa sentença. Uma coisa no entanto parece certa: para o seguidor de Jesus, a verdadeira jornada começa quando ele abandona o conforto da aldeia religiosa e põe o pé na floresta escura, conturbada e indiferenciada do mundo. A santidade do senso comum exige que abandonemos a experiência ordinária do homem sem pretensões em favor da singularidade da vida religiosa. O exemplo e as palavras do Filho do Homem nos convidam, assombrosamente, a fazermos o trajeto oposto.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

BORBOLETAS

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de
se decepcionar é grande.

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.

Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.

As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você.

O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar
não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!


Mario Quintana
Copiei da Dri ^^

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Onde temos errado?

Julio Zampareti Fernandes


Quando tratamos de escatologia (estudo das últimas coisas) sempre somos remetidos, ao menos tentados, a pensar em coisas que estão por vir e que estão fora de nossa realidade. A expressão “últimos dias” tem levado muitos a excluir do conceito escatológico os dias atuais, bem como os dias passados.

Nesse ínterim, muitas profecias referentes à primeira vinda de Cristo são conotadas, erroneamente, à sua segunda vinda, contando-se que toda transformação a ser executada nessa terra se dará por conta pessoal de Cristo, que virá, supõe-se, trazendo transformação instantânea de todo mal em benesse. O problema disso é que, com esse pensamento, a igreja se exime da responsabilidade de promover a salvação deste mundo, função que lhe é claramente atribuída pelas Escrituras Sagradas e especialmente por ninguém menos que o próprio Senhor Jesus. Muito se fala em salvação individual e o que as igrejas, em sua maioria, tem feito é “guiar” os fiéis aos crivos que lhe garantam um pedaço do céu e, claro, regalias na terra.

Com isso, a religiosidade mesquinha de nossos dias tem conduzido as pessoas a cada vez mais se preocuparem unicamente com seus próprios problemas, esquecendo-se dos problemas sociais, ambientais e culturais, isolando-se de tudo que de fato iluminaria a terra. Quando as igrejas manifestam alguma preocupação do tipo, o fazem pensando em impor sua cultura. Trata-se, na verdade, de um ato muito mais proselitista do que caridoso, pois o que fazem, fazem sem acreditar que o mundo possa ser transformado, senão por uma intervenção extraordinária, milagrosa e pessoal de Cristo, em razão de sua volta.

O que, de forma geral, tem se esquecido, ou não se quer crer, é que as transformações propostas nas páginas sagradas não dizem respeito a um futuro distante, mas sim a um passado presente; que os últimos dias descritos na Bíblia reportam-se à última aliança de Deus com os homens; e que tal aliança já se deu há dois mil anos, por meio de Cristo. Esta aliança é última porque é eterna e é a partir dela que todas as coisas são transformadas.

Deus não realizará a obra que destinou os homens a fazê-la. O tempo profetizado por Isaías, de dias sem choro, sem dor, em que cegos veriam, mudos falariam e coxos saltariam não diz respeito a uma nova aliança por vir, mas a nova aliança que veio. Quando Jesus mandou dizer a João Batista que os cegos enxergavam, os mudos falavam e até os mortos ressuscitavam, Jesus trouxe ao seu tempo presente a promessa que Isaías fizera ao futuro. Portanto, Cristo fez o futuro presente.

Para nós, não nos cabe crer que o futuro nos reserva o melhor, mas que o melhor está oculto no presente a espreita de que o revelemos. Se ainda choramos e sofremos em meio a maldade humana, possivelmente ainda não descobrimos o poder da mensagem de Cristo. Talvez tenhamos andado em direção errada, tão preocupados com os dogmas, as exegeses e as regras de hermenêutica; brigando, discutindo e criando cismas em função das concepções escatológicas, eclesiológicas e cristológicas, enquanto tudo o que Jesus ensinou foi amar. Que fruto haverá das orações por paz no mundo se nem entre os que oram existe paz? Atrevo a dizer que se soubéssemos amar não precisaríamos da Bíblia. Em contraponto, a mesma Bíblia que compila a maior história de amor que a humanidade pode ter conhecimento, é motivo de discórdia e desamor entre os que a divulgam. Alguma coisa está muito errada!

Segundo Isaías, no “caminho de santidade”, ímpios não entrariam, mas até tolos trilhariam por ele sem errar. Como então tantos teólogos, mestres, lideres religiosos e nós que somos tão sabidos temos errado tanto?

Se eu lhe parecer tolo, já nem me importo. Mas pela primeira vez em minha vida reescreverei a frase de Martinho Lutero que até aqui tanto defendi e a utilizei em palestras, estudos e homilias.

Frase original: "Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida, como para o que há de vir."

Frase reescrita: Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom do amor, que me da instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida, como para o que há de vir. Pois sem amor, que serventia tem as Escrituras Sagradas e todo conhecimento que ao homem possa ser dado? Tanto um quanto outro, certamente, servirão ao mal!

Se eu estiver pecando nesse meu critério, que assim seja, pois prefiro pecar por amor, a “acertar” sem amar. “Porque o amor cobre multidão de pecados” (I Pedro 4.8b).


Julio Zampareti Fernandes é pastor episcopal em Santa Catarina e é amigo do Genizah

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Deus... não é justo...


Todo ser humano, em uma ou outra ocasião, faz as seguintes perguntas de sessenta milhões de dólares:

“Se Deus é um Deus de amor, por que há tanto sofrimento no mundo?”

“Por que os perversos parecem prosperar?”

“Por que coisas horríveis acontecem com pessoas excelentes?”

“Por que a vida tem de ser tão dura?”

“Não existe um meio mais fácil de crescer?”

“O sofrimento tem algum significado?"


Não existem respostas prontas para estas perguntas universais. De fato, volumes tem sido escritos num esforço para responder a cada pergunta especificamente. Muitos desses livros ajudam, proporcionando algum consolo aos que se acham em meio a difíceis provações.

Não tentarei oferecer soluções genéricas a problemas que deixaram os pensadores perplexos durante séculos. Em seu livreto “Why Does God Allow Suffering?” (Por Que Deus Permite o Sofrimento?” – St. Louis: Lutheran Laymen’s League, 1965, pg. 5), Paul Malte explica:

“A própria Bíblia jamais ofereceu respostas muito fáceis para o sofrimento ou aos sofredores. Mesmo Jó, o livro clássico sobre o sofrimento, o mal nunca chega a ser justificado. Jó porém, aprende a viver com o sofrimento – e com o Deus Criador. No mais fundo da alma – e não em sua mente – Jó descobre a paz que transcende todo entendimento humano. Jesus – que afirma ser o representante de Deus entre os homens – jamais desata o problema intelectual da bondade de Deus e do seu poder. Ele simplesmente age para demonstrar a bondade do Pai e seu poder canalizado pessoalmente para os homens.

Jesus não cura todos os leprosos da Palestina, expulsa todos os espíritos imundos, conserta todos os casamentos. Onde e quando pode, Ele cura e ajuda. Ele dá às pessoas a atitude interior, a coragem e a alegria para tratar com o sofrimento. Ele nada faz para adiar sua própria morte e se torna vítima da hostilidade humana. Ele sofre tanto a angústia da morte física como o inferno da alienação de Deus. Ao sofrer conosco Ele sofre por nós. Ele sofre para que nosso sofrimento possa ser transformado em triunfo.

Os cristãos não tem respostas preparadas de antemão para o sofrimento, não existem dez princípios fáceis para os felizes sofredores. Eles só têm atitudes para enfrentá-lo, meios de vencê-los, perspectivas para transcendê-lo.”

Trecho do livro “Deus Não é Justo” – Joel A. Freeman – Editora e Distribuidora Candeia – 1º edição (1991) – pgs. 19/20 
Vi no Blog Café com Leite e Deus

sábado, 23 de outubro de 2010

O Sensato e o Tolo

O sensato ouve toda verdadeira repreensão com temor grato, mas o tolo sente-se ofendido por cada verdade que poderia ajudá-lo.

O sensato sente todas as dores deste mundo e com elas lava-se em doçuras, mas o tolo extrai da dor apenas a amargura.

O sensato foge de toda luta que não seja pela vida, mas o tolo faz de toda discordância uma questão de salvação do mundo.

O sensato vive e deixa viver, embora não negocie seus princípios jamais; mas o tolo sente a obrigação de se impor sobre todos os diferentes.

O sensato faz o bem e se esquece, mas o tolo o conta como currículo.

O sensato ama a todos, até aqueles de quem não goste; mas o tolo ama apenas os que lhe agradam com consentimentos, e desgosta-se de todos os que não sejam como ele.

O sensato vê em cada outro humano um altar, mas o tolo somente vê altares em lugares onde tijolos e pedras tenham sido erguidos.

O sensato sabe que a cada semente corresponde seu próprio fruto, mas o tolo crê que pode semear uma natureza e colher outra.

O sensato leva em consideração cada acusação que recebe e nelas medita, pois crê que delas possa tirar algum proveito, ainda que em silêncio; mas o tolo perde a chance de se enxergar até nos exageros dos que o acusem.

O sensato confia no vento e no seu poder incontrolável de espalhar sementes, mas o tolo acha que se não industrializar o plantio, sua existência não será produtiva.

O sensato vive pela fé; o tolo, porém, vive do que ele acha que pode controlar ou manipular.

O sensato nunca não vai com a cara de alguém apenas por não ir, mas o tolo desgosta de tudo e todos que lhe pareçam concorrência.

O sensato somente gosta de ganhar em parceria, mas o tolo quer sempre ganhar sozinho.

O sensato vive para fazer fácil a vida, mas o tolo ama as complexidades.

O sensato cresce em todas as tribulações, mas o tolo lamuria e cresce em desconfiança em cada uma delas.

O sensato transforma traumas em lições, mas o tolo os alimenta como álibis.

O sensato foge da justiça dos homens e busca conciliação pacifica; mas o tolo ama os tribunais.

O sensato ama a simplicidade dos simples e a calma dos idosos, mas o tolo apenas dá atenção ao que lhe possa auferir ganhos de alguma forma no instante.

O sensato ama o mandamento da Vida, mas o tolo acha tudo uma obrigação.

O sensato busca renovar-se todos os dias, mas o tolo busca adaptar-se todos os dias.

O sensato crescerá em consciência...

O tolo viciar-se-á em seus modos, e neles morrerá: a menos que se converta à verdade que liberta a mente para aprender a sabedoria.

É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.


É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.


É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.

É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.


É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.


É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.


É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.


É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.


É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.


É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.


(Pablo Neruda)

Vi no Blog da

domingo, 26 de setembro de 2010

Cristianismo dos nossos dias

O cristianismo tem sido bastante criticado hoje em dia. Os cristãos parecem andar um pouco confusos em sua identidade, ou, em dar razão de sua fé. A incoerência entre discurso e prática pode ser ofensiva, além de desabilitar os empolgados e fazer cair em descrédito alguns perseverantes.

Nossa preocupação em "defender" Deus, como se ele precisasse e nós pudéssemos, pode nos fazer pouco interessados no próximo, além de relapsos ouvintes, nos descredenciando para um diálogo saudável e dificultando a criação de novos espaços na proclamação.

Chamou-me a atenção o que disse em recente entrevista um dos mais influentes historiadores vivos, Eric Hobsbawm, 92 anos, quando fez algumas ponderações a respeito das religiões.

Fiz um recorte para nossa reflexão: "Está claro que a religião está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são. [...] Muitas religiões estão claramente em declínio. [...] A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos. [...] Me parece que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua - em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais. Mas um cristão não crê que vale tanto quanto qualquer outro cristão. Duvido que os cristãos negros acreditem que valham tanto quanto os colonizadores cristãos, enquanto alguns muçulmanos negros acreditam nisso, sim. A estrutura do islã é mais igualitária, e o elemento militante é mais forte no islã".

Por meio dos comentários desse tão respeitado historiador, somos provocados a refletir a respeito de nossa postura e prática. Podemos considerar, a partir da fala dele, que há ainda espaço para a religião e ela não pode ser descartada, ou mesmo, menosprezada. As religiões estão enraizadas na história da humanidade. E, se assim é, podemos nos perguntar como temos tirado proveito disso e procurado aprofundar os estudos e oferecer leituras do nosso tempo partindo da ótica cristã. Inclui-se aí, sobretudo, o tema da pobreza e do sofrimento e de como lidamos com tudo isso, sendo Deus soberano e amoroso.

Outro dado interessante ressaltado por ele é o crescimento do islã. Como pode uma religião ter a maior expansão "sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos"? Em seu argumento, Hobsbawm coloca que isso se deve à estrutura igualitária e à militância forte. Isso nos faz refletir sobre a razão de não termos mais gente engajada na missão, pessoas rendidas sem restrições ao senhorio de Cristo. Homens e mulheres que participem intensamente do Reino de Deus, percebendo-se como agentes de transformação, parceiros de Deus na história de salvação.

Será que um evangelho raso está sendo engolido, manco devido à sua parcialidade, e que é compreendido e aceito à medida que "funciona" para meu benefício próprio? Um evangelho exclusivamente para a vida privada, no qual faço escolhas a partir do meu gosto pessoal e meu bem-estar e se algo der errado recorro a Deus como uma espécie de magia a meu dispor?

Há uma infantilização da fé promovendo uma espécie de Peter Pan do reino (encantado). Esta doença nos faz continuar pensando eternamente como crianças, diferentemente do apóstolo Paulo, que testemunha ter vivenciado outros estágios em seu desenvolvimento (1Co 13.11).

Nosso jeito de viver não atrai ninguém para Cristo? Desconfio que, ao invés de atrair, permanecemos traindo ao nosso Senhor Jesus. Se Cristo não mudou nosso jeito de vivermos "cada um na sua e tão somente para si", é preciso rever quem é esse Cristo e ter clareza de sua falsidade. Parafraseando Paulo, "se alguém vier com outro 'evangelho', querendo perverter o evangelho de Cristo, perturbadores desejosos de mudar a mensagem de Jesus, saibam recusar, conscientizem-se de que esses tais não passam de malditos enganadores. Não se pode aceitar um evangelho diferente do que aquele pregado e ensinado pelo próprio Jesus. Afinal, isso seria uma perversão" (Gl 1.6-9). Paulo, naquele contexto, salienta o caminho da graça e explica que não há outro. Entretanto, hoje há oferta de outros evangelhos na praça, e um mais ensimesmado do que outro.

Há até castas, numa possível versão cristã, em nosso meio. Olha a que ponto chegamos. Um historiador, ao observar a postura dos cristãos e observar a postura de muçulmanos, conclui que estes últimos conferem às "pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras" enquanto os cristãos, não. Antes de querer atacá-lo, podemos aproveitar a oportunidade para avaliar nossa postura, verificar como de fato temos vivido o evangelho de Jesus. O Messias tanto ensinou e insistiu no amor e, conforme o apóstolo Paulo salienta, é preciso vivermos de forma cristalina que em nosso meio já não há hierarquias. Não pode haver diferenças no trato, criando privilegiados e desprezados. Não, "não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3.28).

Como já clamava, em 1989, o respeitado pastor John Stott, "na sociedade contemporânea existe uma grande necessidade de mais pensadores cristãos se lançarem ao debate público, assim como de mais ativistas cristãos organizando grupos de pressão a fim de promover uma obra de persuasão. Sua motivação deveria ser inteiramente cristã - uma visão do Deus que ama a justiça, a compaixão, a honestidade e a liberdade em sociedade, e uma visão do ser humano que, embora caído, foi criado à imagem de Deus e é, portanto, moral, responsável e tem uma consciência que deve ser respeitada".

A fraca atuação da igreja, ou mesmo a omissão em questões tão importantes em nossa sociedade, bem como nossa passividade frequente diante das injustiças sociais, têm feito pessoas ao nosso redor tamparem os ouvidos quando desejamos falar do amor de Deus. Têm também promovido a descrença quanto ao evangelho como poder de Deus para a salvação (Rm 1.16).

Podemos clamar juntos por misericórdia divina. Podemos orar para que o Espírito de Deus nos ensine a amar como Deus, encarnando em nossos dias o que Jesus - encarnação de Deus - nos ensinou.

 Vi no MundoCristão.com

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Senhor, salve-nos dos seus seguidores

por Oziel Alves
"Lord, Save-us from your followers", um vídeo documentário recentemente lançado nos EUA, aponta as contradições do povo que diz seguir a Jesus
Você já parou para pensar no que nós, cristãos, representamos para a sociedade? Que imagem refletimos àquelas pessoas que ainda não tem um relacionamento com Deus? Embora alguns arrisquem frases como: “Ah, nós somos luz nas trevas” ou ainda “sal para terra”, ao que tudo indica estamos mais para hipócritas do que para bons mocinhos. “Somos bons em dizer que Jesus veio para salvar a todos – mas temos a língua afiada para julgar e apontar os erros dos outros, dizendo “exceto, você, você e você”. A conclusão é do escritor e cineasta americano Dan Merchand, que acaba de lançar nos Estados Unidos um vídeo documentário intitulado “Senhor salve-nos dos teus seguidores” que entre tantas coisas mostra as incongruências e mazelas de um povo que diz seguir e acreditar em Deus.
Num estilo a lá Michael Moore, afiado na retórica e no humor sadio, Merchand saiu pelas ruas de Nova Iorque questionando estranhos a cerca de suas opiniões sobre a representatividade do povo cristão na sociedade americana. Ele, que também é cristão e diz ter feito o documentário primeiro para si mesmo, quer explicar porque o tão pregado evangelho de amor está dividindo a América. Para ele “Nos estamos muito mais interessados no estar certo do que mesmo no evangelho de Jesus Cristo”.
O documentário inédito que se propõe a ser um espelho para todo o cristão, mostra o quanto nossa habilidade de julgar, diminuir, e nos separar do outros, seja por raça, denominação, orientação sexual, divórcio etc está mais aguçada do que o principio fundamental de amar ao próximo exigido por Jesus. No resumo da obra, se somos verdadeiramente representantes de Deus na terra, então, ou este deus é escrito com letra minúscula ou a assessoria divina deve ter cometido falhas no processo de seleção e recrutamento de pessoal. 
MAIORES INFORMAÇÕES: http://www.lordsaveusthemovie.com/

Oziel Alves é Acadêmico de Letras, Língua e Literatura Inglesa pela PUC do RS,
editor do Jornal Rio Grande Gospel e colaborador de diversos jornais e revistas



quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Peso

Um conferencista falava sobre gerenciamento da tensão.
Levantou um copo com água e perguntou à platéia: 

 – Quanto vocês acham que pesa este copo d’água? 

As respostas variaram entre 20 g e 500 g. O conferencista, então, comentou:  

 – Não importa o peso absoluto. Depende de quanto tempo vou segurá-lo. Se o seguro por um minuto, tudo bem. Se o seguro durante um hora, terei dor no braço. Se o seguro durante um dia inteiro, você  terá que chamar uma ambulância para mim. O peso é exatamente o mesmo, mas quanto mais tempo  passo segurando-o, mais pesado vai ficando.

– Se carregamos nossos pesos o tempo todo, mais cedo ou mais tarde não seremos mais capazes de continuar, pois a carga vai se tornando cada vez mais pesada.

      É preciso largar o copo e descansar um pouco antes de segurá-lo novamente. Temos que deixar a carga de lado, periodicamente. Isto alivia e nos torna capazes de continuar. Portanto, antes de você voltar para casa, deixe o peso do trabalho num canto. Não o carregue para casa. Você poderá recolhê-lo amanhã

terça-feira, 2 de março de 2010

Perfeição

Clarice Lispector

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição

segunda-feira, 1 de março de 2010

Verdadeira Espiritualidade

Francis Schaeffer



"Na visão bíblica, espiritualidade não está fragmentada. Por isso, ela tem sido tão distinta dos conceitos modernos de espiritualidade, tanto no mundo oriental quanto no ocidental, e, infelizmente, até em alguns meios evangélicos. A verdadeira espiritualidade não está fragmentada, porque diz respeito ao homem como um todo, em cada um dos momentos de sua vida. Para além da resistência contra esta perspectiva bíblica verdadeira, boa parte do mundo evangélico tem sido platônica, no sentido de que ela tem dado demasiada ênfase à alma, em detrenimento da pessoa total, incluindo corpo e intelecto.

- Se é que há espiritualidade verdadeira, ela deve abranger tudo -

E a verdadeira espiritualidade consiste em ter um relacionamento adequado com o Deus que está aí; primeiro através do ato único e suficiente da justificação; segundo, por estar naquele relacionamento correto, como uma realidade contínua, momento a momento. Esta é a ênfase dada na Bíblia à verdadeira espiritualidade. Trata-se de um relacionamento adequado e continuado, a cada instante da vida, como um Deus que existe de fato".


(O Deus que intervém, p.218-221)

Vi no blog do irmão: Daniel Grubba - Solie Deo Gloria

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Todos sujeitos...

A Brisa do Amargoso - Ricardo Gondim
José Cícero despertou subitamente. Sentiu falta do canto do galo que rompia o silêncio um tiquinho antes do amanhecer. “Que diabo, comemos o galo", pensou sem pensar. Virou-se na rede e viu os ossos triturados que se espalhavam pelo chão e ainda mexeu o queixo para lembrar a dor de mastigar aquela carne dura com os últimos cinco dentes que lhe restavam na boca. “Arre”, pensou e falou sua interjeição incompleta. Ainda quis acordar a mulher que roncava com a boca meio aberta, mas desistiu, ela não se bulia; parecia num coma, de tão apagada.


José Cícero ainda tentou levantar-se da rede, mas sua alma pesava mais que o corpo esquálido e assim permaneceu, olhando para o teto. Lentamente, pingos de luz brotaram pela palha esgarçada. Há muitos anos José Cícero não via aquela invasão lenta do dia; a última vez que contemplara a visita do sol por entre a carnaúba que protegia sua casa estava com febre e nem gostou do que viu. “Arre”, repetiu mais uma vez, sem emoção.

Há dois anos não chovia no Amargoso e José Cícero não queria ver mais uma manhã sem nuvens; na verdade, ele estava prestes a desistir da vida. Seu único desejo era continuar ali, deitado como um rei em berço esplêndido ou, quem sabe, como um náufrago que já não espera por salvamento. “Arre égua, que vida, essa minha”, completou a frase.

José Cícero nascera ali bem perto, no casebre que ladeia o charco onde cresce a cana. Dizem que no dia em que veio ao mundo, uma coruja deu um rasante com aquele vôo sinistro que soa como se rasgasse mortalha. Naquela manhã até pensou em sua sina de sofrer, mas aquietou o coração quando lembrou que o Tonho, a Zilda, o Bastião e todos os amigos de infância sofreram igualzinho - todos, desdentados.

Sem ânimo e sem força, empunhou a borda da rede e conseguiu se erguer. Os meninos dormiam, respirando no mesmo ritmo que Chica, a mulher que lhe parira os quatro meninos morredores - dos sete, só três vingaram. Enterrou Mundinho, o primogênito, quatro dias depois que nasceu; em sua vida curta, Mundinho só chorou.

Em pé, José Cícero abriu a janela que rangeu como um lamento e espiou as cruzes das quatro covas. Lembrou-se qual era a do Mundinho, a única que lhe provocou alguma lágrima. Quando enterrou Zé Carlos, Carminha e Cícero Junior sentiu igualzinho como se abrisse buraco para as sementes de feijão no mês de dezembro, pouco antes da chuva – que nunca vinha; nesses outros enterros, não mexeu nenhum músculo do rosto.

Parado, José Cícero parecia querer recobrar as forças do tempo em que serviu o Tiro de Guerra e ouviu do sargento que era cabra macho, bom de briga. Mas ainda não completara 37 anos e já se sentia um velho, carcomido pelas estiagens, pela gordura de porco que colocava no feijão ralo e pela água imprestável que deu a diarréia que matou os meninos. Imóvel, viu o sol arder e brilhar com uma força descomunal cobrindo o mato de um cinza mortiço.

Chica balbuciou alguma coisa, mas José Cícero não reagiu; absorto, tentava adivinhar onde enterrara os meninos. Contou da direita para a esquerda, quase soletrando o nome dos filhos, mas as cruzes não lhe falavam coisa alguma. Alguns passarinhos o despertaram daquele torpor e ele se voltou para o barulho que a mulher fizera. Não era nada, Chica ainda dormia.

José Cícero se inquietou, Chica nunca dormira até tão tarde. Chegou a pensar que a mulher fingisse para não ter que ir buscar água no barranco, mas se corrigiu: “Não, Chica nunca perdeu a coragem, isso ela tem de sobra”. Mas e os meninos, por que não acordavam? Temeu perder a família toda. “Se a coruja voar de novo rasgando mortalha, morre todo mundo”, pensou.

Já passava das sete, quando ouviu:

-O que tu tá fazendo, aí parado?. Era o jeito rude de desejar um bom-dia de dentro da rede.

– Sei lá, mulher, tô só, cá comigo, pensando na vida.

– E pensar na vida resolve nada?

– A gente tem que buscar água, porque a do pote secou ontem de noitinha. Avexe porque tô pedindo penico, mulher. Não agüento mais essa vida. Hoje não vou buscar água, não.

– Homem, deixe de coisa. E os menino? Se lembre que a gente ainda tem três pra dar de comer e de beber e não tem nada em casa.

– Pois é neles mesmo que estou pensando. Pra que viver do jeito que a gente vive, Chica? Minha vida foi só sofrimento e a deles também vai ser. Feliz foi o Mundinho que não teve que passar pelo que a gente passa e já é anjinho. Esses três vão virar gente grande e o que vai ser deles?Teve um pastor que passou por aqui me dizendo que se gente grande não se arrepender vai pro inferno. Então mulher, não é melhor morrer logo?

– Ciço, pára de besteira, você tá ficando doido. Não blasfema de Deus, teu padim, o Padre Cícero, vai pedir por nós.

Naquele exato momento, José Cícero se lembrou da romaria que fez até o túmulo do seu padim em Juazeiro. Voltou-se para o armador da rede e o chapéu de palha continuava pendurado para dar sorte; o mesmo que o padre benzeu prometendo que ia trazer fartura no próximo inverno - já fazia dois anos que não pingava quase nada. José Cícero perdera toda a plantação nos dois anos e não se conformava que, por mais que olhasse para o horizonte, as nuvens não empreteciam.

– Sabe, Chica? Eu acho que Deus não liga pra gente. Ele prefere os filhos do doutor Virgílio. Eu me lembro do dia em que o Tiago teve febre e o doutor me pediu para ir buscar o médico da cidade. Bastou o menino tomar a injeção e já tava bonzinho. A gente enterramos quatro filhos no chão seco, sem direito a caixão. Eu me lembro da hora que jogava terra na cara do Mundinho. Eu dizia: "Não é direito não ter nem uma caixa de sapato para proteger o filho dessa terra seca; nós nem pode enterrar com a rede porque tem que guardar a rede pros outro.

–Ciço, por favor, não fala desse modo. Eu te peço pela hóstia consagrada, não blasfema de Deus.

– Nesse mundão, cada um tem que se proteger como pode. Eu tentei, mas num tenho mais força, mulher. Comemos o galo e hoje não tem nada pra por no fogo. Como é que vou caçar? Vendi a espingarda que era do pai. E não tem mais nem tatu para matar, mulher. A seca tá muito braba.

– Pois eu vou aderir à lei dos crentes. Vou no culto deles pedir com muita fé pra Deus mandar chuva.

Chica se levantou, foi até o quintal, urinou, ajeitou a lata vazia na cabeça e seguiu para o barranco, antes que acabasse a água do dia.

Logo que chegou no buraco lamacento notou o pequeno filete d’água, mas só se alegrou de verdade quando notou a irmã Salete - a crente mais conhecida da redondeza.

– Bom dia.
–Bom dia, respondeu a irmã Salete, baixinho.

– Irmã, vim pedir pro modo de você pedir pra Deus pra ele mandar chuva.

Salete continuou calada. Chica precisou mirar os olhos da irmã para entender o que acontecia. Salete chorava com duas tiras de lágrimas correndo pelos sulcos cavados pelas rugas. Arquejada e abatida, tentava separar o barro com os dedos para que a água não se tingisse de branco. Chica perguntou o que estava acontecendo.

– Precisei vir mais tarde buscar água porque acabamos de enterrar os nossos dois filhos, a Miriam e o Pedro; morreram de diarréia.

Fez-se um silêncio constrangedor; não se ouviu mais nada a não ser um leve sicio do vento abrasador.

texto de: www.ricardogondim.com.br
Imagem de: Sebastião Bisneto

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Deus é inocente

Ed René Kivitz

"Se o céu existe, Deus tem muito que explicar". Essa afirmação do Robert De Niro faz eco em meu coração. Também experimento o incômodo de deixar Deus sub judice diante do sofrimento humano. Não me conformo diante das injustiças da vida. O argumento de que todos somos maus e em última análise ninguém mereceria ser poupado do mal não me satisfaz. Sou daqueles que acreditam que coisas ruins acontecem às pessoas boas e acalentam silenciosos uma certa contrariedade quando coisas boas acontecem às pessoas ruins. Acredito, sim, que no mundo existe gente boa e gente ruim. E também acredito que a maioria das pessoas não merece a tragédia que sofre. O casal que perde o filho recém nascido, o adolescente que fica tetraplégico após um displicente mergulho na piscina do clube, a mulher que se vê mutilada pelo câncer, o pai de família que percorre as ruas na indignidade do desemprego e que, por vergonha ou por caráter - as duas coisas, não sabe nem mesmo esmolar, são situações cotidianas que me fazem dormir mal sob o peso do veredicto: Deus tem mesmo muito que explicar.

Mas trago no coração duas outras certezas que me apaziguam a alma, me dão coragem para viver e me animam à solidariedade, ainda que tímida e não poucas vezes insuficiente. O céu existe. Não sei como é. Não sei onde fica. Não sei quando acontece. Mas que existe, existe. Este mundo não é a realidade definitiva. O presente estado das coisas não é a versão final da obra de Deus. Uma coisa é o mundo em que vivemos. Outra, o mundo em que viveremos eternamente. E a respeito das coisas que acontecem neste mundo e não deveriam acontecer, e que não acontecerão no mundo vindouro, Deus já se explicou. Deus se pronunciou em alto e bom som, há mais de dois mil anos, na cruz do Calvário, onde foi morto Jesus de Nazaré, o Cristo, unigênito de Deus.

A tradição cristã afirma que "Deus prova seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". Quem duvida do amor de Deus deve olhar para o Calvário. No dia em que o sofrimento se agiganta e a visão do amor de Deus fica ofuscada pelas lágrimas da dor quase insuportável, a cruz do Calvário é o grito apaixonado de Deus. John Stott disse que na cruz de Cristo Deus justifica não apenas a humanidade, mas justifica a si mesmo. Na cruz de Cristo, Deus se levanta diante de todos os que o acusam de ser injusto, tirano, indiferente ao sofrimento e à dor humanas, e pronuncia a sentença de inocência sobre si mesmo. A cruz de Cristo é a prova irrefutável do amor de Deus.

Na cruz de Cristo há quatro afirmações que provam o amor e definem a inocência de Deus. Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque se solidariza com as vítimas do mal e da malignidade. Através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, Deus afirma "O mal também me feriu", "O sofrimento chegou também à minha casa", "As lágrimas pelo padecimento injusto também rolam dos meus olhos", "Eu e as vítimas do mal e da malignidade somos um".

Aqueles que imaginam que o Deus que "habita em luz inacessível" vive confortavelmente no ar condicionado do céu, enquanto suas criaturas penam contra o diabo na terra do sol, estão absolutamente enganados. Deus tem a cara suja pelas lágrimas que borram seu rosto sofrido com a dor de cada um dos seus filhos por adoção e do seu unigênito. Na cruz de Cristo Deus sofre conosco. Sofre por nós. Sofre em nosso lugar. Deus sabe o que é padecer. Seu Filho é homem de dores. Ovelha muda entre seus sanguinários tosquiadores. Na cruz de Cristo Deus atravessou não apenas o vale da sombra da morte. Atravessou a própria morte.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque não é contato entre os promotores do mal, mas entre os que sofrem os danos da malignidade. Na cruz de Cristo Deus afirma "Não olhem para mim como se eu ordenasse o mal", "Quando estiver sofrendo, não me conte entre os que lhe causam a dor", "Na cruz, eu não batia pregos na mão de ninguém. Na cruz, a mão sob os pregos ferozes era a minha". Quase posso escutar Deus dizendo à mãe que chora a filha atropelada: "Não me tome como quem passou por cima, eu estava em baixo, sendo esmagado sob o peso da borracha negra que me dilacerava a carne e a alma".

Na cruz de Cristo Deus sofre o mal. Na cruz de Cristo Deus é exposto como vítima da malignidade e não como algoz que causa dor e sofrimento. Na cruz de Cristo os verdadeiros promotores da morte são publicamente desmascarados. Cai o pano. E todo mundo pode ver que Deus não está com mãos sujas de sangue inocente. Na cruz de Cristo Deus é a mão inocente que sangra.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque fica evidente que a causa do sofrimento é o pecado da raça humana. Os pecadores estão pensos nas cruzes laterais, mas a crua do meio sustém um inocente. Na cruz de cristo Deus afirma: "Vocês deflagraram o mal", "Vocês abriram a caixa de Pandora", "Vocês soltaram a besta fera", "Vocês macularam o Paraíso". O aviso ainda ecoa pelo universo: "No dia em que pecar, certamente morrerás". A presença da morte é evidência de pecado. E o pecado é responsabilidade da raça. A cruz de Cristo somente se explica porque o pecado que a faz necessária. Naquele dia em que Deus provava seu amor para conosco éramos de fato ainda pecadores.

Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque é o que morre, e não o que mata. Na cruz de Cristo pende o justo morrendo a morte dos injustos. O veredicto está lançado: há pecado, pois que haja morte. O salário do pecado é a morte, disse o apóstolo. A justiça do Deus três vezes santo há que ser satisfeita. Deus está diante de seu dilema eterno: matar ou morrer. E sua opção é definitiva, desde antes da criação do mundo: morrer. Na cruz de Cristo Deus faz sua escolha e anuncia sua disposição de amor absoluto: se alguém tem que morrer para que a justiça volte a brilhar no universo maculado pela culpa da raça humana, que viva a raça e que morra eu-Eu.

O primeiro dos dilemas é criar ou não criar. O segundo é criar com liberdade ou sem liberdade. O terceiro é assumir o ônus da liberdade ou deixar este ônus nas mãos da criatura. Deus faz as escolhas que o machucam, que lhe causam dor, que o fazem sofrer, que o diminuem. Simone Weil diz que "Deus e todas as suas criaturas é menos do que Deus sozinho". Deus escolhe criar. Escolhe criar um ser livre, pois não fosse livre não seria à imagem do Criador. E escolhe arcar com ônus da liberdade que concede à sua criatura. Na cruz de Cristo está deus, dando ao rebelde o direito de existir. Na cruz de Cristo está Deus entregando a sua vida, voluntariamente, em favor dos pecadores. O mal deflagrado pela raça levanta sua sombra sobre o trono de Deus. E Deus se levanta como um Cordeiro que se doa, pois escolhera morrer, em detrimento de matar. Na cruz de Cristo está o Deus que morre para que todos tenham vida, vida completa, abundante vida.

Deus é amor - O que isso significa?


Ricardo Gondim


Deus é amor. Eis a declaração central para se entender o cristianismo. Amor não é atributo que torna Deus racionalmente compreensível. Em Jesus, Deus não se assemelha a um Júpiter que dita, e micro gerencia, os nano detalhes do universo. Deus ama. Nesta afirmação se alicerça a mensagem de que ele não deseja outro tipo de relacionamento com a sua criação.



Uma autêntica relacionalidade com Deus só será possível caso se aceite que ele criou pessoas com liberdade. A correlação amor e liberdade é estreita. Relacionamento verdadeiro só acontece quando aceitação e rejeição se tangenciam. Isto implica que mulheres e homens têm o poder de voltar as costas para a oferta de amor. Deus ama. Portanto, não se força – “eis que estou à porta e bato”.



Quando Deus interpela, homens e mulheres são capazes de responderem sim ou de frustrá-lo. Está escrito em Lucas 7.30 que os indivíduos possuem liberdade de dar as costas ao conselho ou propósito (grego, boulê) de Deus: “Mas os fariseus e os peritos da lei rejeitaram o propósito (boulê) de Deus para eles, não sendo batizados por João”.



Também está escrito em Lucas 13.34 que a vontade (grego, thelô) de Deus pode ser frustrada. O lamento de Jesus sobre Jerusalém é emblemático: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram!”.



Deus não brinca, não dissimula, sua liberdade é real. Não faz sentido imaginar uma divindade escondendo alguma agenda na manga ou induzindo as criaturas a se sentirem livres sem que realmente sejam. Homens e mulheres apenas cumpririam um roteiro previamente escrito e determinado. Aceitar que Deus mantenha atos secretos, nega a revelação de que ele seja luz; nele não há sombra ou suspeita. C.S. Lewis argumentou sobre a onipotência divina em “O problema do Sofrimento” e concluiu:



A sua onipotência significa poder fazer tudo o que é intrinsecamente possível, e não para fazer o que é intrinsecamente impossível. É possível atribuir-lhe milagres, mas não tolices. Isto não é um limite ao seu poder. Se disser: “Deus não pode dar a uma criatura o livre-arbítrio e, ao mesmo tempo, negar-lhe o livre arbítrio não conseguiu dizer nada sobre Deus



O Deus bíblico cativa amorosamente os seres humanos e os interpela para que se comprometam com a construção da história – que ainda não está pronta. O teólogo uruguaio Juan Luis Segundo dizia que “com infinita liberdade, Deus se dá a si próprio os limites que supõe (para não ser contraditório) todo amor no trato interpessoal. E isso nos recorda outra limitação, a suprema, realizada por Deus: a da Encarnação (cf. Fl, 2.7)”. Quando encarnou, Jesus não se fantasiou de humano, mas assumiu as limitações contingenciais comuns a todos.



Mesmo que alguns considerem absurdo, Deus corre, sim, riscos. A liberdade que ele soberanamente decidiu fundamentar suas relações abre diques tanto das virtudes como dos vícios. Mesmo assim, a liberdade que pavimenta o chão de seus relacionamentos não significa que Deus não consiga, em sua infinita sabedoria, desencalacrar o universo das possíveis consequências do mal. Deus é capaz de mobilizar gente disposta a redesenhar a história, nem que a partir de tragédias.



Como não está sujeito a qualquer necessidade, nada o força a fazer qualquer coisa. As Escrituras não deixam dúvida: em sua liberdade, Deus decidiu não controlar tudo o que acontece. Mas sua decisão foi coerente com seu próprio ser. Porque Deus é amor, convoca a homens e mulheres se tornem seus parceiros na condução da história. Este gesto é desdobramento de seu caráter. Deus jamais agrilhoaria a história; jamais colocaria cabrestos em seus filhos. A partir de sua boa vontade e de sua liberdade, Ele criou e convocou seus filhos para, em diálogo amoroso, entrar em parceria na construção do amanhã.



Espiritualidade só será verdadeira se aproximar as aparentes contradições da vida. Orar é acreditar que uma conversa genuína aconteceu. Houve uma sintonia entre a criatura e o Divino. Oram bem os que aceitam ser possível enlaçar e co-operar com Deus para, de alguma forma, alterar os eventos futuros – que não estão fixados.



O cristianismo não navega nas mesmas águas da religiosidade grega. Desde a metafísica aristotélica, a história era entendida como um destino inexorável. O pensamento helênico negava o valor e a consistência das parcerias entre Deus e a humanidade. Lamentavelmente, esse fatalismo ganhou força com a teologia da “Providência” que procura mostrar que Deus mantém a sua vontade em mundo contingencial. Na teologia iluminista, Deus passou a ser descrito com as mesmas atribuições que o “Motor Imóvel” de Aristóteles: um oleiro impassivo que zela por sua própria glória, não admite questionamentos, e não tem escrúpulos de usar vidas humanas para conduzir a história ao seu fim majestoso.



Essa função atribuída a Deus de organizar a ordem cósmica tornou-se um absoluto inquestionável do cristianismo. Os teólogos passaram a afirmar, com absoluta certeza, que Deus, desde sempre, decretou cada mínimo detalhe do que acontece no universo e nas vidas humanas. Assim, tanto o bem como o mal só ocorrem por sua vontade. Auschwitz, tráfico internacional de crianças para pedofilia e Darfur são, em última análise "da sua vontade, pois, se Deus permitiu é porque tem algum propósito".



Juan Luis Segundo negou que esta divindade se pareça com o Deus bíblico: “O fato é que o Deus de Aristóteles e o Deus que, segundo João, é Amor, não são a mesma coisa. Se Deus é amor, é mister refazer o conceito da realidade divina".



Portanto, liberdade adquire maior importância para que a espiritualidade não seja alienante (Marx), infantilizante (Freud) ou desumanizante (Nietzsche).



José Comblin afirmou que “as formas da antiga cristandade estão se apagando. Com o desaparecimento da cultura rural, o cristianismo dos avôs já pertence ao passado. Não adianta querer ressuscitar o passado nem querer contar com os movimentos de “entusiasmo” religioso para fundar nova cristandade... O evangelho é este: ‘Cristo nos libertou para que vivêssemos em liberdade’ (Gl 5.1).’Foi para a liberdade que vocês foram chamados (Gl 5.3). Deus é liberdade e nos criou para a liberdade. Esta é a nossa vocação humana. O sentido da nossa vida é construir e conquistar a liberdade".

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Amor e liberdade ou poder e obediência cega?

Havia um rei muito poderoso que não conhecia limites ao seu poder e à sua vontade. Ele quase se sentia onipotente. Um semideus.
Tudo o que desejasse tinha que ser cumprido com medo e respeito por seus súditos e pelo povo que vivia na região. Um dia, caminhando pelo campo, viu no horizonte uma mmoça formosa e bonita que o deixou perdidamente apaixonado. Ele, que nunca crera no amor à primeira  vista ,não conseguia tirar da cabeça aquela imagem da moça que se confundia com o céu avermelhado e as núvens a se misturarem com o campo no horizonte. Envioi seus melhores homens para descobrir quem ela era e foi à sua casa pedir ao pai a mão da filha em casamento. O pai, comalegria e também com certo temor, consentiue assim houve uma grande festa. Foi uma das maiores festas de casamento de todos os tempos naquela região. Todos os convidado comentavam sobre a beleza da nova rainha e da felicidade do rei. Com o passar do tempo, o rei que não se cabia em contentamento, começou a perceber que havia algo errado no ar.
O contetamento com sua rainha já não era suficiente pra encher o ambiente com aquele algo mais que sempre buscamos em nossa vida.  Após prestar atenção e pensar muito, percebeu que falava algo no olhar de sua rainha. Seu olhos não brilhavam!
Cahamou-a e perguntou se lhe faltavva algo ou se alguém a tinha lhe faltado com o respeito. Ela respondeu que não. Tudo estavaem ordem. Orei então perguntou por que os olhos dela não brilhavam. Ela respondeu que não. Tudo estava em ordem.
O rei então perguntou por que os olhos dela não brilhavam.
Ela respondeu que faltava brilho em seus olhos era sinal de que ela o respeitava muito, mas que não o amava. Ela não tinha tido a liberdade de escolher o seu amado. Ela era, e prometia ser, uma esposa dedicada e fiel, mas não poderia lhe prometer o amor. Pois o amor vem com a liberdade. E se fosse a vontade dele ela continuaria cumprindo seu papel de esposa rainha com toda dedicação e fidelidade. Mas, se ele quisesse que ela o amasse de verdade deveria deixa-la ir, sem nenhum tipo de represália à sua familia, e esperar que ela começasse a ama-lo livremente significava também a possibilidade de não amá=lo e portanto, de não tê-la de volta. O homem todo-poderoso viveu profunda angustia e se viu num dilema. Se deixasse seu poder falar mais alto, ele a manteria junto de si com toda certeza , mas não teria um amor e sim uma serva ou, no máximo, uma esposa dedicada e fiel. Se deixasse seu amor falar mais alto, ele respeitaria a liberdade dela, não exerceria seu podere correria o risco de perdê-la. Ele sabia que só assim seu amor poderia ser correspondido e seria realmente feliz.  O rei descobriu que para amar e ser correspondido era preciso correr o risco de perder a pessoa amada. Amor combina com liberdade (que implica riscos) e não com onipotência. O outro lado da relação de poder é a obediência e não o amor ou a liberdade.

esse é o dilema:
Em Deus o que fala maisalto, o amor ou o poder?

extraído do livro "Se Deus existe por que há pobreza? de Jung Mo Sung
Lendo o contexto a riqueza do texto fica maior. Maravilhoso.